terça-feira, 27 de maio de 2008

LIRISMO URBANO III

Sim, ele ouviu um não. De imediato, correu para os braços do primeiro ilustre ser que pudesse suportá-lo. Antes, porém, enlaçou- se num torpe poste.


Felipe Modesto

LIRISMO URBANO II

Esperava encontrá-la com sucesso maior do que tem o sol quando visita a lua. Para tanto, mirou por dias as estrelas reluzentes do teto de seu quarto. As únicas nítidas.


Felipe Modesto

LIRISMO URBANO I

Rápido demais. Foram suas últimas palavras antes do beijo no asfalto.



Felipe Modesto

terça-feira, 13 de maio de 2008

PREVENIDO

Sofrendo com o medo de que ela aceitasse seu convite para o baile. Sequer plantou a rosa.

Felipe Modesto

TELEMARKETING

Disse a moça:
- Vou estar passando sua ligação...
Comentou o rapaz:
- Gerundismo, feio e pobre...
Retrucou
- Pois é, mas não sou eu quem idealiza o futuro e chora os pretéritos.


Felipe Modesto

DO CONTRA

Como outras tantas, foi enxotada de seu lar. Simplesmente, quando o dia chegou, foi despejada carregando tudo o que possuia.
Sem lar, nua e sem pêlo, pulou o muro e pediu abrigo novamente em sua casa. O habeas corpus mandou- a para rua de novo.



Felipe Modesto

quarta-feira, 7 de maio de 2008

CONFLITO E/IN TERNO


A estafa já o dominava, dilemas eram suas aspirinas. Completamente falíveis.
Deixou de ser jornalista.
Aderiu ao maniqueísmo, cansado de só apurar os dois lados de sua própria história.



Felipe Modesto

ADIVINHA


Quiromante que só lê orgão amputado. Sai de mãos dadas com um cigano. Descobre-se analfabeta funcional.





Felipe Modesto

O DIA, O PÃO E O OFÍCIO

Claras... As coisas vão ficando mais claras com o nascer do dia. As nuvens começam a tomar forma de nuvem, as coisas começam a ser como de fato são, ou como de fato enxergamos toda manhã.
Típico alvorecer de outono. O sol parece preguiçoso, faz meia luz para valorizar a silhueta da cidade. É metido a besta também. Economiza no calor para dar um toque mediterrâneo as manhãs aqui dos trópicos. Ah, mas depois o danado se espalha e derrete o que passar por sua cabeça quente.
Quando tudo começa a clarear desperta a vida na terra de gigantes. O céu tira o negrume sisudo mas aqui embaixo a carranca de adulto dá o tom rotineiro a selva de pedra.
No caminho da labuta acompanho o principio da trajetoria de pessoas. Gente importante, ou que nem a gente mesmo.
Meu vizinho, com ressaca crônica, vai para a fábrica de biscoitos andando para não chegar nessa era. O pescoço segura a cabeça e esta não tem vocação para Atlas. Sono do tamanho do mundo!
O bairro é nobre e recheado de herdeiro pobre.
Três quadras, um cigarro e um punk rock a frente, o advogado saúda o fisioterapeuta, entra no carro num sincronismo ensaiado. Eles se entendem bem. Saem para defender e cooperar.
Pouco antes da pracinha, o motorista vai a pé. É o paradoxo da jornada que vem pela frente. O barbudo vai agradecer quando não tiver mais nenhuma criança para carregar. Depois do expediente só terá que olhar a sua correndo de bicicleta.
Após atravessar uma avenida, entro no bairro pobre, de gente pobre.
Ruas estreitas e compridas e mais outro cigarro fazem a respiração ficar ofegante. Aí vem o trabalhador que mais me fascina. Jovem, com roupa de jovem, mas andar sério de quem tem que fazer as coisas por alguém. Rosto liso e sem cara de sono, atento e disposto a matar o leão que lhe botarem nas fuças.
Até hoje não sei onde trabalha o rapaz, contudo o que traz na mão esquerda todos os dias deixa bem claro qual é o seu principal ofício. Segurando a ponta de seus dedos vem o filhote.Mochila nas costas, a caminho da escola. A fisionomia descarta qualquer complexo de Bentinho. Levemente estrábico como o progenitor o menino veste touca, nesta manhã de outono e até quando é verão. Fora o gorro, a roupa é quase igual a do seu guia. A diferença é que a criança dá ares de adulto com a vestimenta e o jovem passa impressão pueril.
É, não resta dúvida, onde quer que que o mancebo bata o cartão, seu emprego principal é o que exerce no começo do dia: ser pai.
O apreço com que ele acompanha o filho não é maior do que a pressa que o contemporâneo pede, nem grande feito o orgulho que ele tem em dar a mão ao filho. Passam os dois sorridentes, de passo firme mostrando a garantia que um dá ao outro de que a vida é a melhor coisa do mundo, pelo menos naqueles instantes, em que não tem Batman e Robin que se compare ao entrosamento que essa dupla dinâmica tem.
Esses dias porém, passava pelo trecho onde sempre encontro o jovem e o menininho. Vinham como de praxe, com o mesmo andar, sorriso, tênis, touca e admiração. Mas uma esquina antes de passarem por mim um carro branco parou e ofereceu carona aos dois. Entraram. O pai na frente e o filho atrás. O carro começou a andar e quando passei por eles só pude notar o tapinha nas costas que o condutor do veículo deu no rapaz. Partiram os dois conversando...
Naquela manhã de outono, de luz fraca, de frio falso, de dia útil, meu vizinho foi a fábrica, o advogado e o fisioterapeuta foram aos seus postos, o motorista foi ( a pé) levar crianças. Mas a carona do carro branco fez o pai faltar no trabalho.




Felipe Modesto